Crise e insegurança criam nova onda de migração brasileira rumo ao Japão

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Há uma década, desde os anos de recessão após a crise de 2008, o Japão luta para encontrar um caminho que o conduza de volta ao crescimento. Os salários crescem pouco e a maior parte dos empregos disponíveis para estrangeiros ainda é no "chão de fábrica". Mesmo assim, o país que virou destino de milhares de nipo-brasileiros nas décadas de 80 e 90 tem voltado a atrair os dekasseguis, e não apenas por razões econômicas.

Os dados disponíveis mais recentes, de 2016, mostram que os consulados japoneses no Brasil emitiram 11.506 vistos para descendentes, cônjuges e dependentes - quase o triplo do registrado dois anos antes, em 2014, 4.695. As agências de emprego que fazem a ponte entre as empresas japonesas e os brasileiros afirmam que a tendência se manteve em 2017 e neste ano. Os dados repassados pelo Consulado Geral do Japão em São Paulo contabilizam três tipos de visto, que permitem aos descendentes o exercício de atividades remuneradas no país.

O país que os dekasseguis - nome que se dá aos imigrantes descendentes de japoneses que buscam trabalho no Japão - encontram hoje é bem diferente. O que se economiza com dois ou três anos de trabalho, ao contrário do que acontecia nos anos 90, não é mais suficiente para comprar uma casa confortável no Brasil - de um lado, porque os preços no Brasil aumentaram significativamente e, de outro, porque o câmbio não é mais tão favorável.

Mas não é só a questão do emprego que tem feito os nisseis e sanseis deixarem o Brasil rumo a terra de seus pais ou avôs.

"Muita gente que está indo agora já foi dekassegui. Tem gente que voltou (para o Brasil) e tentou montar um negócio, mas não deu certo. Tem gente que está assustada com a insegurança, com os assaltos", diz Kleber Ariyoshi, sócio-diretor da Itiban, agência de empregos com escritório nos dois países.

Agências como a dele fazem a intermediação entre as empresas japonesas interessadas em contratar e os brasileiros, lidam com o visto e ajudam os migrantes a encontrar moradia.

Ariyoshi conta que a procura vem aumentando de forma significativa desde 2016 e que hoje a Itiban envia entre 150 e 200 brasileiros por mês para o Japão - o triplo da média mensal em 2015.

A grande maioria das vagas está na indústria, nos segmentos de autopeças, eletrônico e no alimentício, principalmente.

Com a proximidade das Olimpíadas de Tóquio, em 2020, e diante do problema estrutural de falta de mão-de-obra no Japão, as empresas do país têm vindo cada vez mais ao Brasil para recrutar. "Atendemos três ou quatro delas por semana aqui", ele afirma.

'Educação melhor'

"Nós decidimos sair do Brasil pela questão da segurança e, principalmente, para dar uma educação melhor para nossa filha", diz a paulistana Erica Yamabe, que chegou com a família na cidade de Kariya, na província de Aichi, em abril do ano passado.

A escola em tempo integral que a menina frequentava no bairro do Butantã, em São Paulo, custava aos pais cerca de R$ 3 mil por mês. No Japão, eles desembolsam R$ 400. O valor pago à escola japonesa mantida pela prefeitura inclui as refeições e aulas das 8h às 18h, incluindo lições de artes, música e natação.

A filha, hoje com 7 anos, chegou praticamente sem falar japonês. Em um ano, contudo, aprendeu a língua e hoje vai à escola, que fica a cerca de 800 m de casa, a pé com um grupo de crianças do bairro, com idades entre 6 e 12 anos. "Esse é o tipo de experiência que ela nunca teria no Brasil", diz.

Erica e o marido moraram no Japão entre 2007 e 2009 e voltaram para o Brasil por questões familiares. Hoje, cada um deles trabalha em uma fábrica diferente da Toyota em Kariya, uma das cidades onde há maior concentração de brasileiros.

O salário não chega a ser maior do que no Brasil - Erica trabalhava no setor financeiro, na área de recuperação judicial e falências, e o marido era taxista -, mas eles acreditam que o que têm ganhado da experiência compensa.

"Ganhar dinheiro vai ser uma consequência. Pra gente é muito positivo que ela esteja em contato com uma cultura que respeita os mais velhos, os professores, que pensa no outro."

12 horas de trabalho por dia

A paranaense Ligia Palma morou no Japão com o marido entre 2007 e 2014 e retornou ao Brasil logo depois da Copa, porque queria voltar a trabalhar em sua área de formação, como secretária executiva.

"Eu queria voltar a usar a cabeça, porque para trabalhar no Japão (nas fábricas) você só precisa ter saúde física", ela afirma.

Depois de algum tempo em sua Londrina natal, ela recebeu uma proposta de emprego em Fortaleza (CE), com um salário maior do que ela e o marido ganhavam juntos no Paraná.

Porém, uma série de experiências negativas na capital cearense - de situações de corrupção no ambiente de trabalho à falta de infraestrutura e segurança - fizeram com que o casal se decidisse por mais uma temporada na Ásia. "Eu via idoso furando fila preferencial, gente jogando garrafa de plástico pelo vidro do carro. Aquilo não fazia sentido para mim, eu não me adaptei", acrescenta.

Mesmo tendo se decepcionado financeiramente no Japão na primeira vez - o casal chegou pouco antes da crise e viveu momentos difíceis -, eles consideraram que a segurança e qualidade de vida japonesas fariam valer a pena as jornadas de trabalho de 12 ou 14 horas e a cultura muitas vezes fria dos locais.

Desde agosto do ano passado eles estão na cidade de Echizen, na província de Fukui. Ligia trabalha em uma fábrica de componentes eletrônicos que produz condensadores.

Nesta segunda temporada no país, ela diz ter percebido uma abertura maior dos japoneses com os estrangeiros. "Sempre existiu a visão de que quem saiu do país na Primeira ou na Segunda Guerra era covarde, porque não ficou para lutar. Nós éramos os filhos e os netos dos 'covardes', vistos muitas vezes como invasores", ela afirma.

"A estagnação da economia e o avanço da China fizeram isso mudar um pouco. Hoje, eles sabem que precisam da gente."

Palma se surpreendeu ao encontrar atendentes que falavam português em algumas prefeituras e até no comércio de cidades conhecidas por serem destino dos brasileiros.

Crise de 2008

A crise financeira que sacudiu o mundo em 2008 também teve um impacto forte sobre a economia japonesa.

As exportações despencaram e, sem uma reação do mercado consumidor doméstico, o país mergulhou em uma recessão.

"Vi japonês morando literalmente debaixo da ponte - e nunca tinha visto nem mendigo no Japão", conta Ligia.

Nessa época, o governo japonês chegou a pagar um subsídio de US$ 3 mil para cerca de 20 mil brasileiros que concordaram em deixar o país e cumprir uma espécie de "quarentena" antes que eventualmente tentassem entrar novamente.

Eleito em 2012, o primeiro-ministro Shinzo Abe colocou em prática uma série de medidas para estimular a economia.

A política macroeconômica, que ficou conhecida como "Abenomics", surtiu efeito gradual, diz Takahiro Sekido, estrategista do banco japonês MUFG, e tem dado sinais mais claros de seu impacto positivo desde o ano passado - quando o indicador de confiança da indústria medido pelo Banco Central japonês voltou aos níveis pré-crise pela primeira vez em uma década.

O país ainda enfrenta, contudo, o desafio de elevar os índices de inflação - com o mercado interno ainda morno, os preços têm pouca variação, assim como os salários.

Fonte: BBC

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