Com incerteza eleitoral, risco-país do Brasil é o 2º que mais cresce na América Latina
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- 21/08/18
Ainda sem ter se recuperado da crise, a economia brasileira sofre também os efeitos do calendário eleitoral. Diante da indefinição sobre o próximo governo - e, consequentemente sobre a política econômica a ser adotada a partir do próximo ano - vem crescendo a percepção de risco dos investidores internacionais em relação à economia brasileira. Entre as principais economias latino-americanas, o risco do Brasil só subiu menos que o da Argentina.
O dólar em alta é o indicativo mais visível do crescimento da desconfiança dos investidores em relação ao Brasil. Ontem (20), a moeda dos EUA fechou no maior valor em mais de 2 anos, a R$ 3,95, enquanto investidores buscavam destinos mais seguros que o Brasil para o seu dinheiro.
Todos os países emergentes têm sofrido com a piora das condições da economia mundial. O que tem definido a intensidade da reação dos investidores são os desequilíbrios macroeconômicos de cada economia. No caso brasileiro, há uma incerteza com o futuro das contas públicas e, se o próximo governo vai seguir com o ajuste fiscal.
Desde janeiro, o risco-país do Brasil medido pelo CDS (Credit Default Swap) subiu cerca de 80 pontos, enquanto o da Argentina - o país enfrenta uma grave crise econômica e já recorreu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) neste ano - avançou 315 pontos.
O CDS é uma espécie de seguro contra calote e, portanto, funciona como uma das principais medições de riscos entre as economias. Quanto mais alto é o CDS, portanto, mais arriscado o país é considerado pelos investidores.
No início do ano, o risco-país do Brasil estava no patamar de 162 pontos. No pior momento do ano, em meados de junho, o CDS chegou ao patamar de 280 pontos na esteira da resposta do governo à greve dos caminhoneiros e com o ambiente político já incerto. Nos últimos dias, o risco-país rodava o patamar de 240 pontos.
A recente piora mais intensa na percepção de risco da economia brasileira fica evidente quando se analisa o desempenho dos países considerados mais ajustados da região. No Chile, por exemplo, o CDS subiu apenas três pontos este ano. No México, a alta foi de 13 pontos.
"O Brasil tem uma vulnerabilidade grande na área fiscal e há uma incerteza em como essa questão vai ser conduzida a partir do ano que vem com um novo governo", afirma o economista da consultoria Tendências Silvio Campos Neto. "Os países menos afetados são aqueles que têm as contas públicas ajustadas e uma política monetária que consegue fazer o trabalho de forma correta", diz.
Mundo mais difícil para emergentes
Em 2018, a situação econômica global tem trazido mais dificuldades para os mercados emergentes principalmente por duas razões. Primeiro, houve um aumento da tensão comercial desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu taxar a importação de aço e alumínio. A medida desencadeou uma série de represálias de diversos países, levando a uma guerra comercial com a China e colocando os investidores numa postura mais defensiva.
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Segundo, as economias avançadas estão subindo os juros, num movimento que os economistas chamam de normalização monetária. Depois de manter os juros num patamar baixo por muitos anos para estimular o crescimento econômico, os principais países estão fazendo o movimento contrário em meio a um aumento da inflação.
O Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), por exemplo, já aumentou a taxa de juros duas vezes este ano e deve, segundo os economistas, elevar mais duas até dezembro. Neste mês, a Inglaterra colocou os juros no patamar mais alto desde 2009.
"O mundo está mais desafiador e não deve voltar ao que era antes. É um mundo com o sarrafo mais alto", afirma Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Não por acaso, dois grandes países emergentes já tiveram graves problemas econômicos. Com uma forte desvalorização do peso, a Argentina teve de recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para receber uma ajuda de US$ 50 bilhões. E a Turquia enfrentou uma forte desvalorização da lira turca nas últimas semanas, levando pânico aos mercados. Somente em um dia a lira chegou a despencar 18%.
Fiscal frágil, mas contas externas ajudam
Entre os investidores, a principal preocupação com a economia brasileira é se o próximo governo vai levar adiante a reforma da Previdência e conseguir endereçar os problemas fiscais. As contas públicas têm registrado déficit primário desde 2014.
Neste ano, o mercado estima um rombo de R$ 148,171 bilhões, segundo o relatório Prisma, do Ministério da Fazenda, que colhe a expectativa dos analistas. Para 2019, o déficit estimado é de R$ 123,288 bilhões.
"Há uma incerteza com o que vai ocorrer na economia depois da eleição", diz o diretor-geral da Fator Administração de Recursos, Paulo Gala.
O déficit nas contas públicas tem aumentando o endividamento do Brasil, o que os investidores consideram um fator de risco ao decidir se trazem ou não recursos para cá. Em junho, a dívida do governo chegou a 77,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Há quatro anos, esta relação era de 52,7%.
A percepção de piora da economia brasileira só não é mais intensa por conta da boa condição das contas externas, o que deixa o país distante - ao menos por ora - das crises enfrentadas por Argentina e Turquia. O Brasil tem hoje reservas de US$ 380 bilhões, e o déficit em transações correntes é de apenas 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB), exigindo baixo financiamento externo e dando munição suficiente para mitigar uma crise cambial.
"As crises costumam vir por meio do câmbio, mas a capacidade de intervenção do Brasil é grande. Há sobra de dólares", diz Gala.
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