Chefe da OMC diz que Bolsonaro gera 'otimismo' para comércio internacional

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Exatamente uma semana depois de o presidente francês, Emmanuel Macron, anunciar que não defende tratados que envolvam o Brasil se Jair Bolsonaro decidir abandonar o Acordo de Paris, o embaixador Roberto Azevêdo, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, afirmou que delegações internacionais têm mostrado boa vontade em relação ao futuro governo brasileiro. "O que eu escuto das delegações que vêm conversar comigo é até um certo otimismo, do ponto de vista de perspectivas de liberação comercial, de maior abertura da economia brasileira para o comércio internacional", disse Azevêdo a jornalistas brasileiros em Washington, onde recebeu prêmio de Personalidade do Ano do Conselho Nacional de Comércio Internacional dos EUA (NFTC, na sigla em inglês).

A simpatia estrangeira pela nova Presidência, segundo o brasileiro que chefia a OMC, também é marcada por cautela.

"Isso é visto de maneira geral positiva, mas estão todos ainda esperando para ver quais medidas serão efetivamente adotadas", afirmou.

"A equipe econômica precisa de tempo para estruturar sua estratégia e colocar para os parceiros comerciais como o Brasil vai se comportar."

"As pessoas estão acompanhando de perto", prosseguiu Azevêdo.

Para parte da comunidade internacional, as críticas do governo eleito a órgãos multilaterais e medidas como a controversa transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, além da eventual saída do Acordo de Paris, são fontes de insegurança nos mercados e podem trazer impactos financeiros para o comércio exterior brasileiro.

Durante a reunião da cúpula do G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo), em Buenos Aires, o presidente da França declarou ser contrário à assinatura de grandes acordos comerciais com nações ou grupo de nações que não respeitem o Acordo de Paris, pelo qual países se comprometem a reduzir emissões de gases poluentes e reduzir o aquecimento global.

"Houve uma grande mudança política no Brasil recentemente, então o Mercosul tem que considerar o impacto dessa mudança", disse Macron a jornalistas no último dia 29.

"Do lado francês, não concordo com a assinatura de amplos acordos comerciais com países que não respeitam o Acordo de Paris."

O acordo está sendo negociado há 18 anos, segundo o Itamaraty.

Na véspera da declaração do francês, o capitão reformado assumiu a resposabilidade pela decisão do governo brasileiro de cancelar a realização da COP-25 (Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, que acontece em 2019).

Questionado sobre a controvérsia pela BBC News Brasil, Azevêdo disse que não opinaria porque a negociação entre os dois blocos acontece fora da OMC.

O saldo do G20

Mas o grande tema do G20, palco da controvérsia entre Brasil e França, foi a declaração conjunta assinada pelos líderes das principais economias do mundo. Para o brasileiro, que chefia a OMC desde 2013 e enfrenta uma onda protecionista e nacionalista ganhando força em diferentes países, o texto é motivo de comemoração.

Com menções sutis e indiretas à importância do multilateralismo no comércio - os EUA teriam vetado a inclusão do termo no texto final -, o documento assinado pelos líderes acabou dando fôlego à OMC, alvo de frequentes críticas de Donald Trump, que já disse que a organização é "injusta" e "maltrata" os Estados Unidos.

Uma das principais entidades econômicas multilaterais do mundo, junto ao FMI (Fundo Monetário Internacional), e o Banco Mundial, a OMC é responsável por regular trocas e mediar disputas comerciais entre os países membros.

"A declaração na área comercial reconhece o momento difícil que estamos vivendo, reconhece que o sistema multilateral da OMC contribui para o crescimento econômico, para a criação de empregos, para o desenvolvimento, e reconhece que o sistema multilateral, para dar esta contribuição, pode e deve melhorar", avaliou Azevêdo nesta quarta, em Washington.

Para a comunidade internacional, a assinatura do documento do G20 desidrataria, ao menos no médio prazo, boatos que vinham sendo ventilados em Washington desde o início do governo Trump sobre uma eventual saída dos EUA do acordo.

"Apoiamos a necessária reforma da OMC para aperfeiçoar seu funcionamento. Revisaremos o progresso dessa medida na próxima cúpula", diz o texto publicado no fim do encontro.

A reestruturação já era uma das bandeiras levantadas pela organização nos últimos meses como forma de acalmar os ânimos na Casa Branca. Segundo Azevêdo, o próximo passo é submeter as discussões do G20 aos demais membros da OMC - 164 países.

"Essa mensagem vem do G20, que é um grupo importantíssimo, expressiva maioria do comércio mundial, mas os outros membros da OMC precisam ser parte desse processo e acho que essa conversa tem que ser ampliada e debatida em Genebra de uma maneira mais ampla para então definir como nós vamos avançar", afirmou.

Longas negociações

Enviada no início do mês passado, uma proposta conjunta de Estados Unidos, Japão, União Europeia, Argentina e Costa Rica para aumentar a transparência da organização e aprimorar seu sistema de notificações poderá ser o primeiro passo para a reforma.

Já novos consensos sobre outros pontos em discussão, como punições a países denunciados por violarem ou distorcerem regras comerciais, poderão ser acelerados por meio da adoção do "plurilateralismo" em futuras decisões.

Hoje, o sistema multilateral da instituição prevê acordos só sejam firmados se todos os países-membros concordarem - o que tenta garantir equilíbrio, mas também gera lentidão nas decisões. No modelo plurilateral, algumas decisões poderiam ser tomadas por grupos reduzidos de países, o que aceleraria o processo, mas deve gerar críticas dos que não tiverem voto.

Marcado por muito suspense, o esperado encontro no G20 dos presidentes Donald Trump e Xi Jinping, líderes opostos na hostilidade comercial entre EUA e China, terminou com sinais de armistício entre os dois países - ao menos por três meses.

Após trocarem elogios, os dois presidentes concordaram em suspender a implementação de novas tarifas pelos EUA sobre produtos importados da China. Antes do encontro, os americanos haviam prometido subir de 10% para 25% as taxas cobradas sobre importados chineses a partir de 10 de janeiro.

"A OMC oferece um foro privilegiado para esta discussão", disse Azevêdo em Washington.

De um lado, os EUA querem, por exemplo, botar um ponto final na forma com que a China lida atualmente com transferência de tecnologia por meio de multinacionais estrangeiras, com subsídios estatais a empresas e termos de propriedade intelectual.

De outro, os chineses buscam apoio da organização para cortar interferências do governo americano na produção agrícola do país. Também querem que os EUA deixem de vender produtos para o exterior a preços mais baixos que os praticados pelo mercado (prática conhecida como dumping, da qual a China também é acusada.

"As conversações entre EUA e China são muito bem-vindas, devem continuar. Esse canal bilateral é muito importante e o canal da OMC complementa isso, porque parte destas dificuldades entre EUA e China afetam outros parceiros comerciais", comentou Azevêdo.

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