Banco quer mudar regra de ferrovias
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- 05/12/13
O governo tem um novo e inesperado obstáculo para tirar do papel as concessões de ferrovias à iniciativa privada. Um "pool" de bancos fez chegar às empreiteiras e ao Palácio do Planalto que não terá como liberar financiamento aos vencedores dos leilões sem mudanças que permitam aperfeiçoar as garantias dadas pela União nos futuros contratos e diminuir o chamado "risco Valec".
A resistência dos bancos - incluindo o BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e instituições comerciais responsáveis pelo repasse dos recursos - joga um problema adicional no colo do governo justamente quando se imaginava que os principais entraves aos primeiros leilões de ferrovias haviam sido removidos.
Hoje, um pequeno grupo de empreiteiras já demonstra interesse em entrar nos leilões, o que gera alívio no Planalto - meses atrás, o apetite era mínimo ou inexistente. As empreiteiras ouviram um "não" dos bancos, no entanto, quando fizeram consultas preliminares sobre a disposição das entidades financeiras em liberar empréstimos aos projetos. O novo problema mostra que não bastará o aval do Tribunal de Contas da União (TCU) aos primeiros trechos de ferrovias para finalmente destravar as concessões no setor. A expectativa do governo era obter sinal verde do TCU, ainda neste mês, para o primeiro trecho: a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Lucas do Rio Verde (MT) e Campinorte (GO), conhecida como Ferrovia da Soja. O tribunal deixou para 2014.
Em outubro, como forma de dirimir as inquietações do mercado, a presidente Dilma Rousseff assinou decreto que já ampliava essas garantias e previa até mesmo o uso de títulos da dívida pública para honrar os compromissos de pagamento às futuras concessionárias. Com isso, o governo considerava que as discussões em torno do "risco Valec" tinham sido definitivamente resolvidas.
A avaliação dos bancos é diferente. O Valor apurou que eles resistem fortemente a liberar financiamento às obras em ferrovias - pelo menos nos termos divulgados pela União: 70% de cobertura dos projetos, com custo de TJLP mais 1 ponto percentual. E, sem financiamento barato, dificilmente o negócio vai parar em pé.
Os bancos, inclusive o BNDES, exigem liquidez nas garantias para desembolsar recursos às futuras concessionárias. Sugerem, por exemplo, a abertura de uma conta especial em que haja ativos líquidos e que possam ser resgatados imediatamente, se necessário. Para as instituições financeiras, o caminho para se proteger de um eventual calote da Valec é muito burocrático - existe previsão de garantias até em imóveis da estatal.
No novo modelo, o governo esperava conceder 11 mil quilômetros de ferrovias, divididos em 14 trechos. O cronograma original previa a licitação de todos esses trechos até meados de 2013. A ideia era comprar, por meio da Valec, toda a capacidade de transporte das novas estradas de ferro. Com isso, as concessionárias ficariam livres do risco de demanda, nos 35 anos de vigência dos contratos. O direito de uso dos trilhos seria revendido pela estatal no mercado.
Nas simulações dos bancos, a viabilidade da maioria dos projetos anunciados pelo governo é bastante duvidosa e exigirá subsídios pesados da União, permitindo à Valec recuperar uma parte minoritária das despesas criadas com a compra de capacidade. No trecho entre Açailândia (MA) e Barcarena (PA), pensado como projeto-piloto das concessões ferroviárias, eles preveem que haverá demanda suficiente para cobrir só 20% dos investimentos. Ou seja, por meio da Valec, a subvenção alcançaria até 80% do valor total das obras.
Diante de tal equação, os bancos ainda detectam um alto risco político de descontinuidade nos pagamentos da Valec, temendo que futuros governos façam uma leitura negativa das concessões atuais. "São contratos com mais de três décadas de duração", lembra um executivo do setor financeiro.
A MP 618, já aprovada no Congresso e convertida em lei, autorizou um aporte de até R$ 15 bilhões do Tesouro na Valec para garantir esses pagamentos. Os bancos, no entanto, avaliam que a medida foi duplamente insuficiente: o aumento de capital não foi efetivado, sendo apenas uma possibilidade legal, e pode ser revertido depois. Além disso, o total de R$ 15 bilhões é incapaz de assegurar os pagamentos para mais do que dois ou três dos 14 trechos de ferrovias que o governo pretende licitar agora.
Os bancos também alegam "risco moral" para rejeitar o financiamento às concessões de ferrovias. Lembram que muitos trechos projetados pelo governo têm diferenças bilionárias entre a estimativa oficial de custos e a estimativa das empresas. Isso eleva, na avaliação das entidades financeiras, o risco de que as construtoras abandonem obras no meio do caminho. Ainda que seja hipótese remota, entra na prancheta dos executivos responsáveis por aprovar ou não empréstimos de bilhões de reais.
Para minimizar esse risco, o governo admite refazer os estudos de viabilidade e os anteprojetos das ferrovias novas, entregando a responsabilidade ao setor privado. Os melhores estudos, após seleção da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), seriam colocados em leilão. A informação foi dada ao Valor pela ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, semana passada. Com isso, o governo espera reduzir a brecha entre suas estimativas de investimento nas ferrovias e as estimativas privadas.
Gleisi negou, porém, ter recebido informações dos bancos de que não há disposição em financiar as futuras concessionárias. "Eu desconheço esse assunto. Nunca conversei com o BNDES nem com nenhum outro banco a respeito. Isso nunca foi trazido à mesa", afirmou a ministra. "É surpreendente ser questionado agora, depois de um ano e meio. O BNDES nem é a única alternativa para prover recursos de investimentos. O governo praticamente assegura o pagamento, é garantidor de todo o processo."
A ministra se empenhou pessoalmente em resolver a situação de impasse com o TCU, que vinha se recusando a aprovar o modelo de ferrovias. Para o tribunal, apesar do formato de concessões ao setor privado, elas se assemelhavam a parcerias público-privados (PPPs) e careciam de base legal. O decreto presidencial de outubro aumentava justamente o amparo jurídico às concessões e resolvia esse assunto. Agora, surgiu um novo desafio.
Fonte: Valor Econômico