A guerra comercial e seus possíveis impactos
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- 07/12/18
A "guerra comercial" entre os Estados Unidos e diversos países – especialmente a China – vem preocupando os mercados financeiros no mundo todo. Enquanto crescem as incertezas sobre os impactos sobre a economia global, os principais envolvidos na disputa seguem trocando ameaças e anunciando novas barreiras comerciais.
No último encontro do G20, em Buenos Aires, os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da China, Xi Jinping, negociaram uma trégua temporária que adiou um aumento de tarifas planejado para 1º de janeiro, enquanto as duas partes negociam um pacto comercial. Mas as tensões voltaram a aumentar após a diretora financeira do grupo de telecomunicações chinês Huawei, Wanzhou Meng, ser presa a pedido dos EUA. A acusação é de desrespeitar as sanções dos EUA ao Irã.
O economista chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, comenta que isso serviu para adicionar ainda mais incertezas sobre o acordo em si. "O contexto ainda é de dúvida do que vai ser da questão 'guerra comercial', é tudo muito preliminar. Mas esse fato não colabora, obviamente, é péssimo."
O que é a 'guerra comercial'?
A China já vinha sendo acusada por diversos países de não ser um mercado verdadeiramente aberto. "A China se fecha muito para produtos com alto valor agregado (como manufaturados), se abre mais para os básicos. E existe uma grande demanda global, países que querem se aproveitar daquele mercado", explica Vieira.
Embora as discussões e queixas sobre o comércio exterior com a China não sejam recentes nos EUA, foi no começo de 2018 que o presidente do país, Donald Trump, começou a anunciar medidas protecionistas que atingiam diversos setores de diferentes países. Entre eles, o principal impactado foi o mercado chinês.
As alegações do governo norte-americano incluem a necessidade de reduzir o déficit comercial do país com a China, que chegou ao recorde anual de US$ 375 bilhões em 2017 – ou seja, os EUA querem reduzir a diferença entre o valor total de produtos que compram e vendem dos chineses.
Mesmo com as medidas já anunciadas, porém, isso não aconteceu. Em outubro, o Departamento do Comércio dos EUA informou que o déficit de produtos com os chineses subiu 7,1% em setembro, para US$ 43,1 bilhões - um novo recorde mensal.
Na esteira dos anúncios de taxas extras sobre a importação de produtos chineses, Trump também lançou medidas protecionistas que atingiram outros países da União Europeia, Canadá, México, Estados Unidos, Turquia e Brasil.
Em meio às incertezas do mercado sobre as mudanças, essa sequência de anúncios ganhou o nome de "guerra comercial" porque a China passou a lançar medidas e ameaças em retaliação aos Estados Unidos. O mesmo aconteceu com a União Europeia, porém em menor medida.
As barreiras comerciais também vêm causando uma série de reclamações à Organização Mundial do Comércio (OMC), além de impactos sobre as bolsas de valores pelo mundo.
Abaixo a sequência de anúncios e ameaças já feitas:
Os números da 'guerra comercial'
As medidas já anunciadas até agora somam bilhões em produtos comercializados. Segundo levantamento da BBC, os EUA já aplicaram tarifas sobre US$ 250 bilhões em produtos chineses e ameaçaram taxar outros US$ 267 bilhões. A China, por sua vez, fixou tarifas sobre bens americanos no valor total de US$ 110 bilhões.
Já um relatório do grupo de monitoramento de restrições comerciais do G20 aponta que as restrições comerciais dos Estados Unidos atingiram US$ 369 bilhões em exportações chinesas neste ano, muito acima dos US$ 278 bilhões afetados apenas por tarifas.
Ao mesmo tempo, tarifas retaliatórias chinesas afetaram US$ 87,5 bilhões em exportações dos EUA neste ano. Os dados são do relatório de Alerta Comercial Global, produzido por Simon Evenett e Johannes Fritz na Universidade de St Gallen na Suíça.
Quem sai ganhando e quem sai perdendo?
Ainda não está claro o impacto da "guerra comercial" para a economia global. Segundo o professor de economia do Insper Otto Nogami, sequer os efeitos para os principais envolvidos na disputa são conhecidos.
"Os EUA criarem esse tipo de barreira sobre o produto chinês é no sentido de proteger a economia americana, a indústria local, ou estimular que investidores passem a produzir produtos similares em território americano. Isso gera empregos, consegue movimentar a economia local. Agora, por outro lado, tem o chinês dizendo: 'então não compro mais produto básico seu'. Lembrando que a China é um grande comprador de produto básico americano, principalmente soja. Isso afeta os produtores norte-americanos, que caracteristicamente são famílias, e não produtores gigantes. Isso cria um problema doméstico nos EUA", explica Nogami.
Em julho, o presidente da Câmara de Comércio dos EUA, Thomas Donohue, disse que a guerra comercial já dá resultados negativos no país. "As tarifas estão começando a afetar as empresas, os trabalhadores, os agricultores e os consumidores dos Estados Unidos, à medida que os mercados fecham as portas aos produtos fabricados nos Estados Unidos e os preços sobem no país", disse.
Os efeitos para os outros países também são incertos. De maneira geral, a ameaça de que EUA e China, as maiores economias do mundo, possam passar por dificuldades já gera por si só a preocupação de contágio para outros países. Em setembro, o diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, disse que "o aumento de barreiras cria muita incerteza e vai afetar o crescimento do comércio e o PIB mundial".
Efeitos para os emergentes: como fica o Brasil?
A dimensão e prazo dos impactos da disputa comercial para outros países ainda não é conhecida. Mas, para os emergentes, um dos pontos de atenção é o efeito das incertezas internacionais sobre o câmbio. Para Azevêdo, da OMC, "o acirramento da guerra comercial no mundo e o avanço de medidas protecionistas devem ter um impacto maior sobre os países emergentes e em desenvolvimento", e isso pode ser percebido na flutuação das moedas desses locais.
Para a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, disputais comerciais prejudicarão o crescimento global e colocarão em perigo "espectadores inocentes".
No Brasil, as exportações de produtos primários para a China – um importante comprador do país – vêm registrando saltos nos últimos meses em virtude das restrições dos EUA. A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) projeta que as vendas de soja brasileira para a China batam recorde em 2018, com 68 milhões de toneladas.
No entanto, Nogami aponta que "esse é muito mais um efeito pontual do que qualquer outra coisa". "A nossa agricultura se beneficia fazendo com que o volume exportado aumente, mas isso pode trazer uma valorização da moeda nacional (queda do dólar) e o produto brasileiro perde competitividade de preço", explica.
Fonte: G1