Estímulo à produção agrícola na Savana
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- 10/07/14
O governo de Moçambique, com apoio do Brasil e do Japão, tenta fazer avançar o ProSavana, programa de cooperação técnica para desenvolver a agricultura nas savanas tropicais moçambicanas, cinco anos depois de ter sido lançado, em 2009.
O programa será desenvolvido em uma região com características semelhantes às do Cerrado brasileiro. A área de estudo do ProSavana abrange 19 distritos de três Províncias do norte do país - Niassa, Nampula e Zambézia -, uma região com 4,3 milhões de habitantes. A iniciativa pretende aumentar a produção e a produtividade agrícola para garantir o abastecimento a uma população crescente em um país que é importador de alimentos.
Mas embora tenha sido criado como um programa de cooperação técnica e de transferência de tecnologia entre os três países - Moçambique, Brasil e Japão -, o ProSavana vem sendo criticado. Desde o início, movimentos sociais veem o empreendimento como uma ferramenta de ocupação da terra por multinacionais. O governo moçambicano rechaça as críticas, mas, mesmo assim, o programa se transformou em um assunto político no país. "As críticas ao ProSavana são falsas", disse Daniel Ângelo Clemente, secretário permanente do Ministério da Agricultura de Moçambique (Minag).
Na opinião dele, as críticas ao programa são feitas por pessoas que não querem que Moçambique saia da dependência alimentar para que continue a importar comida, sejam tomates da África do Sul ou frango do Brasil. Ele afirmou que a terra em Moçambique pertence ao Estado. "Mas existem direitos consuetudinários [que surgem dos costumes da sociedade] dados às comunidades que usam a terra há anos." Ele afirmou que ninguém pode, portanto, tirar a terra das comunidades. Mas, se acaso surgir interesse de investimento em terras "livres", as comunidades podem ser consultadas e, eventualmente, indenizadas pela terra.
Situado na costa leste da África, de frente para o Oceano Índico, Moçambique tem baixa produtividade agrícola e é um grande importador de alimentos. O país tem déficit, considerando-se a relação entre produção e consumo, de cerca de 400 mil toneladas de arroz por ano e volume semelhante de déficit no trigo, segundo Clemente. Ao mesmo tempo em que é um importador de alimentos, Moçambique desponta como uma das últimas fronteiras agrícolas a serem exploradas, assim como ocorre com outros países na África.
É nesse contexto que organizações da sociedade civil, como a União Nacional dos Camponeses (Unac), passaram a ver o ProSavana de forma crítica e a identificá-lo como tentativa de repetição do Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer), programa bilateral entre Brasil e Japão da primeira metade da década de 1970. O Prodecer buscou aumentar a produção de alimentos e desenvolver a região do Cerrado.
Para esses movimentos sociais, haveria risco de uma "invasão" de grandes produtores brasileiros com base em financiamentos japoneses. Mas o governo moçambicano diz que a essência do ProSavana é fortalecer o pequeno agricultor para torná-lo sustentável comercialmente. "Não é possível fazer agricultura familiar com enxada de cabo curto produzindo 600 quilos de milho por hectare", disse o economista Hipólito Hamela, que vê o ProSavana como uma "grande oportunidade".
Em Moçambique, o Ministério da Agricultura é responsável por implementar as atividades do ProSavana em iniciativa tripartite que também reúne a Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA) e a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), ligada ao Ministério de Relações Exteriores.
O programa é integrado por três projetos de cooperação técnica: pesquisa, extensão rural e modelos de desenvolvimento agrário, além da elaboração de um plano diretor agrícola no chamado Corredor de Nacala, no norte do país. Nessa região, a Vale, o governo de Moçambique e outros sócios constroem o Corredor Nacala, ferrovia de 912 quilômetros que será utilizada pela mineradora para transportar o carvão produzido em Tete. A ferrovia terá capacidade para escoamento de produção agrícola.
O projeto de extensão agrária e de criação de modelos de desenvolvimento agrícola do programa começou em 2013 e vai até 2019. "O projeto está em plena execução, com a condução de estudos, intervenções de apoio às comunidades e associações de produtores, treinamento em tecnologias agrárias apropriadas e desenvolvimento institucional", disse a coordenação do ProSavana. Mas outro dos pilares do programa, o plano diretor, está em uma espécie de compasso de espera. A versão final do plano diretor, que na primeira fase teve participação da FGV Projetos, não existe ainda pois depende da confirmação de resultados de consultas feitas à sociedade civil.
No total, o ProSavana tem orçamento de cerca US$ 36 milhões para custeio das atividades de campo, compra de equipamentos e obras de construção mais atividades relacionadas à pesquisa, à assistência técnica e ao plano diretor. O ProSavana teria uma área potencial de 13 milhões de hectares, mas a coordenação do programa diz que a área em hectares ainda não está definida. As culturas agrícolas a serem desenvolvidas ainda precisarão ser escolhidas, embora na área de pesquisa já haja ensaios de produção com associações entre leguminosas, como soja, e cereais. E há estudos sobre o comportamento de variedades de espécies, incluindo milho, soja, trigo e algodão, todas não geneticamente modificadas.
O projeto de pesquisa do ProSavana tem participação da Embrapa, do Instituto de Investigação Agrária de Moçambique (IIAM) e do consórcio entre o Centro Internacional do Japão para Pesquisas Agrícolas (Jircas) e da NTC Internacional. O projeto busca o desenvolvimento e a transferência de tecnologia agrária mais adequada à região do Corredor de Nacala. Calisto Bias, coordenador do ProSavana no Minag, disse que está em construção em Nampula, no norte, a construção de laboratório de análise de solos e plantas cuja conclusão é prevista ainda este ano. Ele afirmou que em cerca de dois meses espera-se ter um "draft" (esboço) do plano diretor para discutir com todos os interessados.
Os críticos do ProSavana dizem que não há consenso em relação ao programa e que haveria famílias no meio rural que temem perder suas terras para dar lugar ao agronegócio empresarial. "O intuito do ProSavana é avançar com um processo de construção de suas atividades cada vez mais inclusivas, porém, é preciso salientar que as divergências de pontos de vista são características normais do processo democrático de construção de consensos", informou, por escrito, ao Valor, a coordenação do ProSavana.
Fonte: CNA