O 'ouro branco' egípcio perde o brilho
- Detalhes
- 06/02/15
No país, o chamado "ouro branco" foi celebrado em filmes e costumava ser usado para bancar festas glamourosas e solucionar problemas de endividamento no fértil delta do Nilo. Mas o produto egípcio, outrora base da economia nacional, está em baixa há anos, afetado por mudanças de políticas públicas, pelo encolhimento do mercado doméstico e pelas caprichosas oscilações dos preços internacionais.
É nesse contexto que a recente decisão do governo de acabar com os subsídios aos cotonicultores locais, criados há apenas um ano, enervou a cadeia produtiva. Muitos agricultores ameaçaram simplesmente parar de plantar algodão. "Depois do comunicado do ministro da Agricultura [em janeiro], os produtores optarão por plantar qualquer outra coisa", afirmou Mohamed Farag, que dirige o Sindicato dos Agricultores Independentes do Egito. "Acho que haverá menos algodão no mercado e o preço vai subir na próxima temporada", disse ele. O subsídio girava em torno de US$ 200 por feddan (unidade de área equivalente a 4,2 mil metros quadrados), e o governo espera que o fim do apoio encoraje os agricultores a plantar algodão apenas se tiverem contratos assinados com os compradores. No Egito, entretanto, os produtores têm pouco poder de negociação por estarem mal organizados, de forma que o subsídio oficial era um importante incentivo para o cultivo do cobiçado produto.
Para muitos especialistas, apenas o algodão americano rivaliza com o egípcio. É caracterizado por fibras extralongas, que podem ser esticadas em fios refinados para os tecidos de luxo. Estados Unidos e Egito dominam o mercado global de algodão de qualidade superior, cada um com cerca de 40% de participação. As variedades mais refinadas representam 90% da produção de algodão no Egito. Os 10% restantes são de fibras médias.
Mesmo antes do fim do subsídio, a produção e as exportações do país já estavam em queda. De acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), o Egito exportou 221 mil toneladas de algodão em 2006. Em 2014, foram apenas 50 mil toneladas, segundo Mefreh al Beltagui, chefe da Alcotexa, associação dos exportadores egípcios. Cerca de 50% da colheita é exportada, e o restante é usado na produção doméstica.
"A área plantada vem encolhendo porque a cultura é menos rentável para os agricultores do que as alternativas à disposição", diz ele. "Todos os países produtores de algodão, mesmo os EUA, operam com alguma forma de subsídio".
Quando anunciou o fim do subsídio, o ministro da Agricultura do Egito, Adel El-Beltagy, alegou que a demanda doméstica por algodão de alto padrão é baixa. Assim, a indústria têxtil local depende das importações de variedades mais baratas de fibras médias e curtas, mais adequadas à produção de camisetas e brim, que representam grande parte da produção de roupas no país.
O excesso de algodão de alto padrão em 2013 fez com que, no ano passado, o governo do Egito também subsidiasse as empresas de fiação e tecelagem - muitas delas empresas públicas com problemas de caixa - para que se livrassem de estoques encalhados. Segundo exportadores, os excessos derivaram da rejeição de parte da colheita por compradores estrangeiros, que constataram a presença de variedades de menor qualidade em lotes de padrão mais elevado.
Ainda assim, o governo insiste que os subsídios não são a solução para os agricultores. "O formato do setor mudou", disse Ali Ismail, um alto representante do ministério da Agricultura do Egito. "Os que querem algodão para exportar devem pagar um preço decente. Temos 260 empresas que trabalham com algodão e, quando a safra é colhida, eles pressionam os agricultores [para derrubar o preço]. Queremos que eles se acertem com os plantadores", defendeu.
Beltagui, da associação dos exportadores, afirma ser impossível para seus membros acertarem um preço antecipado com os produtores porque não há mercado futuro para o algodão de fibras longas. "Poderia acabar sendo prejudicial para o agricultor e para o vendedor", disse. "Se o preço do mercado acabar sendo maior que o acertado, o agricultor vai sair da venda; se for menor, o comprador vai desaparecer". O dirigente defende que o governo ofereça subsídios ao agricultor se os preços caírem abaixo de um determinado limite.
Especialistas argumentam que os problemas domésticos ocorrem apesar de o algodão de alta qualidade ainda ter um mercado internacional. "Acho que sempre haverá espaço para as importações de algodão egípcio, mesmo na China e na Índia, que também são exportadores de algodão", diz Andrei Guitchounts, diretor de análise de comércio exterior do Comitê Consultivo Internacional do Algodão (Icac), entidade com sede em Washington que reúne governos de países produtores e consumidores de algodão. "Se a produção egípcia dobrar, ainda será possível que o mercado internacional a absorva."
Fonte: Portal do Agronegócio