Estatal russa mira investimentos em energia nuclear no Brasil

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Praticamente estagnado durante décadas, o setor de energia nuclear brasileiro pode sofrer uma guinada a partir dos próximos anos, com a construção de quatro a oito novas usinas, previstas no planejamento da Eletronuclear, estatal responsável pelas usinas de Angra dos Reis. Antes mesmo de serem definidos o novo marco regulatório e as localizações das novas unidades, a estatal russa Rosatom, uma das líderes do setor, já anuncia abertamente interesse em participar dos novos projetos.

O vice-diretor da empresa russa, Kirill Komarov, se reuniu com o ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, ontem (6), para tratar do assunto. Segundo Komarov, que concedeu entrevista nesta sexta-feira (7), durante um seminário organizado pela empresa no hotel Windsor Barra, no Rio, o governo brasileiro ainda não sinalizou quando retomará os projetos.

 

"Apresentamos nossa visão de como a Rússia poderia participar. Foi muito positivo, amigável o encontro. Reafirmamos que estamos aguardando o governo brasileiro decidir o rumo do setor", disse. A principal preocupação de Komarov foi demonstrar a flexibilidade das parcerias que a Rússia está disposta a realizar com o governo brasileiro.

De acordo com o executivo, a Rosatom administra projetos que englobam o financiamento, a construção de usinas, o gerenciamento e a reutilização de combustíveis nucleares. O executivo ressalta que a capacidade de oferecer um serviço totalmente integrado, compreendendo toda a cadeia de produção nuclear, é justamente o diferencial da Rosatom.

"Tudo vai depender da configuração tomada pelo governo brasileiro. Podemos oferecer contratos de construção de usinas apenas. Mas tem países onde operamos a usina e somos proprietários. Na Turquia, temos um projeto de quatro geradores e somos 100% proprietários da usina. E nos países ocidentais europeus temos modelos de negócios em parceria", disse.

O executivo também mostrou disposição em financiar os projetos brasileiros. Segundo ele, parte dos valores poderiam ser debitados com títulos da dívida externa do país. "Temos recursos permitem todo o tipo de cooperação. Quanto ao valor exato, depende do Brasil", disse.

Komarov demonstrou aguardar com ansiedade um novo marco regulatório para o setor. Segundo, ele é o importante é o Brasil decidir qual modelo adotar. "Qualquer decisão seria um avanço. Temos dois modelos na Rússia, por exemplos. Algumas usinas são estatais, outras tem 49% de investimento privado. Ambos são realizados com sucesso", declarou. A Rosatom tem investimentos fora da Rússia previstos em U$ 70 bilhões de dólares para os próximos 10 anos.

Komarov refutou as críticas à indústria pós-acidente de Fukushima, no Japão, ocorrido em março de 2011. De acordo com ele, o acidente não influenciou o mercado, que continuou crescendo no mundo inteiro. "Os países não desistiram da energia nuclear. Isso é uma tendência importante. Países como China, Índia, África do Sul, Coreia do Sul, todos mantém planos. Esperamos que a América Latina também continuará a desenvolver esses objetivos", relatou.

A Rostatom tem 54 usinas em operação e outras 67 construídas. Outras 28 estão em construção e 23 estão em processo de negociação.

Representantes do setor nuclear brasileiro receberam bem a investida russa. Para Antonio Muller, presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento das Atividades Nucleares (Abdan), a possibilidade de diversificar parcerias pode fortalecer a posição do país. A tecnologia nuclear brasileira adotada nas usinas de Angra é alemã, resultante do tratado nuclear assinado entre os dois países em 1975.

"A Rosatom é um dos competidores. A Eletronuclear vê com bons olhos a ampliação da competição. Temos cerca de três procedências possíveis. Esse é um deles. É uma boa oportunidade para baixar preço e agregar segurança", disse, na abertura do seminário.

Muller salienta que investimentos no setor nuclear são estratégicos para o Brasil. Segundo ele, o país possui, em reservas de urânio, o equivalente a 40% do potencial energético das reservas de petróleo do pré-sal. Temos 93% do nosso sistema baseado em hidrelétricas. Mas o sistema tem limites. Novas barragens não poderão ser feitas com reservatórios. Precisamos da participação de outras fontes, como a eólica e a nuclear", disse.

O executivo também aposta na segurança da tecnologia adotada no Brasil. De acordo com Muller, a tecnologia russa faz parte do tipo de usinas construídas no país, que não precisam de energia extra para manter o resfriamento. Em Fukushima, o acidente nuclear ocorreu porque os geradores a diesel responsáveis por bombear a água de resfriamento para a usina não funcionaram. Segundo Muller, esse não é o caso da tecnologia adotada no Brasil e fornecida pelos russos.

Já o presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro, ressalta o preço da energia nuclear como alternativa para variar a matriz energética do país. "O cidadão brasileiro vai ter que optar entre pagar mais ou pagar menos pela conta elétrica. Se optar pela energia nuclear, vai pagar menos", disse.

Sobre o marco regulatório, Othon preferiu não opinar. "É uma questão governamental", alegou. No entanto, o executivo admitiu se posicionar a favor de que seja mantido o controle estatal sobre o setor. "Não há porque não admitir a participação de capital privado. Mas até como cidadão, eu fico muito mais confortável se o governo for majoritário na área nuclear", disse.

A principal preocupação com a energia nuclear continua sendo o que fazer com o lixo. Komazov afirmou que o gerenciamento dos resíduos varia de país para país. No entanto, ele disse que a Rússia está no caminho de desenvolver tecnologias para o reaproveitamento dos resíduos. A Rússia usa reatores de quarta geração que reutilizam o combustível nuclear. Esse é o primeiro passo para criar um ciclo fechado", afirmou.

Othon também confirmou que os resíduos nucleares precisam receber tratamento especial. No entanto, ele disse que o volume de lixo produzido é possível de ser administrado. "O lixo nuclear é muito mais gravoso, mas é encapsulável e armazenável. Estamos com uma política de rejeito que vai dar exemplo para o mundo", afirmou.

Fonte: G1

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