Autores de língua espanhola comentam produção hispano-americana

No Brasil, é comum encontrar traduções de modernos clássicos da literatura hispano-americana, de Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa, ambos vencedores do Prêmio Nobel de Literatura (em 1982 e 2010, respectivamente). O que não é fácil achar nas prateleiras são as produções mais recentes de escritores em língua espanhola. “Se considerarmos figuras como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Carlos Fuentes, a literatura hispano-americana é uma das mais importantes e influentes dos últimos 50 anos”, destaca o professor do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília (UnB) Enrique Huelva. Segundo ele, poucas obras de hoje são traduzidas para o português, o que representa “um bloqueio para a troca de experiências culturais”.
O 1º Encontro Brasiliense de Escritores Hispano-Americanos, realizado em Junho, na Embaixada do México, como parte das atividades da Semana do Espanhol em Brasília, reuniu escritores de países como Chile, México, Espanha, Venezuela, Colômbia e República Dominicana. “Nós trouxemos elementos para as pessoas interessadas em enriquecer o conhecimento do idioma”, diz Alejandra Latapi, conselheira de assuntos culturais da Embaixada do México. Quarta língua mais falada no mundo (por 450 milhões de pessoas, segundo o livro The Ethnologue: languages of the world), o espanhol perde apenas para o mandarim (1,051 bilhão), o hindi (565 milhões) e o inglês (545 milhões).
Uma das participantes do evento foi a mexicana Cristina Rascón. Nascida em Obregón, em 1976, ela é mestre em política pública comparada pela Universidade de Osaka, no Japão. Publicou quatro livros, entre contos, metaficção e ensaios sobre economia, mas nunca teve uma obra lançada no Brasil. “Quando escrevo economia, tenho que ser racional. Quando escrevo literatura, tenho que ser passional. Uma coisa enriquece a outra. Minha formação em economia me ajuda a construir personagens mais verossímeis”, comenta a autora.
Em 2010, Cristina lançou Puede que un sahuaro seas tú, com lendas criadas por ela. No conto que dá nome ao livro, uma menina segue com a mãe pela estrada e observa os cactos altos. Ela lembra que a avó lhe dizia que cada cacto (sahuaro) tem um espírito, uma alma humana. Para encontrar o próprio sahuaro, basta saber a verdade sobre si mesmo. A menina então parte para buscar esse cacto no meio do deserto.
Diversidade
De acordo com o catalão Fernando Martínez Laínez, designar um conjunto de obras como literatura em língua espanhola é generalizar. “Cada país tem suas características, que diferem bastante”, comenta o autor de 70 anos, que em 2007 lançou Lobos hambrientos, sobre o fenômeno guerrilheiro para a expulsão das tropas napoleônicas durante a Guerra da Independência Espanhola. O anterior, Escritores espías (2004), é um livro de não ficção sobre grandes escritores que decidiram ser agentes secretos.
Já o venezuelano Juan Carlos Chirinos critica o “complexo patriótico, antiquado” que separa a criação da península espanhola dos outros países que falam espanhol. “Isso não faz sentido. Literatura são livros, e não orgulho”, afirma o escritor nascido em 1967, em Valera, cidade dos Andes venezuelanos, hoje morador da Espanha. “Não acredito nessa separação porque ela não existe. É um conceito imposto de fora a um conglomerado de países que tem uma parte da história em comum, mas não toda.”
Para Chirinos, o termo hispano-americano pode ser prejudicial à medida que simplifica a diversidade de culturas. “Todos os que escrevem em espanhol são escritores da minha terra, porque nessa literatura não existem mais fronteiras. E todos me influenciam, até quando não quero escrever como eles”, conta o autor, fundador da revista eletrônica La Mancha, que reúne publicações de escritores espanhóis e venezuelanos.